Quem sou eu?
Sri Ramana Maharshi
(oferecido por Felipe Ubaldo)
Eu não o corpo físico, composto de sete humores (dhatus). Eu não sou
os cinco sentidos (audição, toque, visão, paladar e olfato), que
apreendem seus objetos respectivos (som, sensação, forma, gosto e
cheiro). Eu não sou os cinco órgãos da ação: fala, locomoção,
manipulação, excreção e procriação, com suas respectivas funções (falar,
movimentar, segurar, expelir e desfrutar). Eu não sou as cinco energias
vitais (prana, etc), que executam as cinco funções de inspiração, etc.
Eu não sou nem mesmo a mente que pensa. Eu não sou o estado de
incognoscibilidade, no qual restam apenas as impressões residuais dos
fenômenos, e no qual não há nem fenômenos nem atividade.
Se eu não sou nada disso, então quem sou eu?
Depois de negar tudo o que foi mencionado como “não isto”, aquela Consciência que permanece por si só – eu sou Aquilo.
Qual a natureza da Consciência?
A natureza da Consciência é Existência-Consciência-Beatitude.
Quando será obtida a realização do Eu Real?
Haverá a realização do Eu Real, que é o observador, quando o mundo, que é aquilo que é visto, for removido.
Haverá a realização do Eu Real enquanto o mundo estiver lá (visto como real)?
Não haverá.
Por quê?
O observador e o objeto, quando vistos, são como a corda e a cobra.
Assim como o conhecimento da corda, que é a realidade subjacente, não se
revelará a não ser que o falso conhecimento da cobra ilusória
desapareça, igualmente a realização do Ser, que é a realidade
subjacente, não será obtida enquanto a crença de que o mundo é real não
for removida.
Quando é que o mundo, que é objeto visto, será removido?
Quando a mente, que é a causa de toda cognição e de toda ação, tornar-se imóvel, o mundo desaparecerá.
Qual a natureza da mente?
A mente é uma força maravilhosa inerente ao Eu Real. Ela causa o
surgimento de todos os pensamentos. Não há mente fora dos pensamentos.
Portanto, a natureza da mente é o pensamento. Fora dos pensamentos, não
há nenhuma entidade chamada “mundo”. No sono profundo não há
pensamentos, e não há mundo; nos estados de vigília e sonho, há
pensamentos e também um mundo. Assim como a aranha tece sua teia partir
de si mesma e depois a recolhe em si mesma, igualmente a mente projeta o
mundo a partir de si mesma e novamente se dissolve em si mesma. Quando a
mente emerge do Ser, o mundo surge. Portanto, quando o mundo parece ser
real, o Ser não é visto.
Quando a pessoa investiga persistentemente a natureza da mente, a
mente terminará, deixando o Ser como resíduo. Por “Ser” refere-se ao
Atman. A mente sempre existe dependendo de algo grosseiro; ela não
existe por si só. É a mente que é chamada de “corpo sutil” ou
“alma”(jiva).
Qual o caminho da inquirição para entender o caminho da mente?
Aquilo que surge como “eu” neste corpo é a mente. Se você investigar
onde no corpo surge o pensamento de “eu” em primeiro lugar, você
descobrirá que ele surge no coração. Este é o local de origem da mente.
Mesmo se você pensar constantemente “eu-eu” você será conduzido àquele
local.
De todos os pensamentos que surgem na mente, o pensamento de “eu” é o
primeiro. Apenas depois do desaparecimento desse pensamento é que os
outros surgem. É somente após o surgimento do primeiro pronome pessoal
que o segundo e o terceiro pronomes pessoais surgem; sem o primeiro, não
haveria o segundo ou terceiro.
Como é que se pode silenciar a mente?
Pela Inquirição “quem sou eu”. O pensamento “quem sou eu?” destruirá
todos os outros pensamentos e – tal como a vareta usada para avivar a
pira funerária – no final ele mesmo será consumido. Então haverá a
Autorrealização.
Quais são os meios para de aderir constantemente ao pensamento “quem sou eu”?
Quando surgirem outros pensamentos, você não deveria segui-los, mas
investigar: “para quem esses pensamentos surgem?” Não importa quantos
pensamentos surjam. Na medida em que casa pensamento surgir, você deve
investigar diligentemente “para quem esse pensamento surgiu?”. A
resposta que virá será “para mim”. Então, se você investigar ”quem eu
sou?”, a mente retornará a sua Fonte, e o pensamento que surgiu se
aquietará. À medida que você praticar dessa forma mais e mais, o poder
de a mente permanecer em sua fonte aumentará.
Quando a mente, que é sutil, exterioriza-se através do cérebro e dos
órgãos sensoriais, os nomes e as formas densas aparecem; quando ela
permanece no Coração, os nomes e as formas desaparecem. Não permitir que
a mente se exteriorize, mas mantê-la no Coração, chama-se “introversão”
(antarmukha). Permitir que a mente saia do Coração é conhecido como
“extroversão” (bahirmukha). Assim, quando a mente permanece no Coração, o
“eu’, que é a fonte de todos os pensamentos, desaparecerá, e o Ser –
que existe eternamente – resplandecerá.
O que quer que você faça deve ser feito sem sentimento de “eu”. Se
agir assim, tudo será visto como sendo natureza de Deus (Shiva).
Não existem outros meios para silenciar a mente?
Não existem outros meios adequados para a autoinvestigação. Através
dos outros métodos, a mente apenas parecerá ter se aquietado, mas ela
surgirá novamente. Através do controle da respiração, a mente também se
aquietará, mas ficará quieta tão somente enquanto a respiração
permanecer controlada, e quando o movimento da respiração for retomado a
mente igualmente voltará a se mover e perambular impelida pelas suas
impressões residuais.
A fonte da respiração e da mente é a mesma. O pensamento é a natureza
da mente. O pensamento de “eu” é o primeiro pensamento da mente; isto é
o ego. A respiração e o ego se originam a partir da mesma Fonte.
Portanto quando a mente se aquieta, a respiração é controlada, e quando a
respiração é controlada, a mente se aquieta. Durante o sono,
entretanto, as forças vitais continuam a trabalhar, apesar de a mente
não estar manifesta. Isso é assim de acordo com a lei divina, a fim de
proteger o corpo e afastar quaisquer dúvidas quanto estar vivo ou morto
durante o sono. Quando a mente se aquieta durante o estado de vigília e
no samadhi, a respiração também se aquieta. A respiração é a forma densa
da mente. Até o momento da morte a mente mantém a respiração no corpo;
quando a mente morre, leva a respiração consigo. Assim o exercício do
controle da respiração é apenas uma ajuda para acalmar a mente
(manonigraha), mas ele não a destruirá (manonasa).
Tal como a prática do controle da respiração, a meditação nas formas
de Deus, repetição de mantras, regulação da dieta, etc; são apenas
auxílios para silenciar a mente.
Através da meditação nas formas de Deus e repetição de mantras a
mente se torna unifocada. A mente sempre estará vagueando. Da mesma
forma que um elefante, quando lhe é dada uma corrente para ele segurar
com a tromba, vai ficar agarrado na corrente sem largar; igualmente
quando a mente está ocupada com um nome ou forma ela permanecerá apenas
nisso. Quando a mente se dissipa na forma de inumeráveis pensamentos,
cada pensamento é fraco; quando os pensamentos são dissolvidos, a mente
se torna unifocada e forte- para uma mente assim, a autoinquirição será
fácil.
De todas as regras de disciplina, aquelas relacionadas com manter uma
alimentação sáttvika em quantidades moderadas é a melhor; observando
esta regra, a qualidade sáttvika da mente crescerá, e isso será de muito
valia na autoinquirição.
As impressões residuais dos fenômenos parecem ser intermináveis, tal
como as ondas de um oceano.
Quando é que elas serão destruídas?
Na medida que a meditação do Ser se aprofundar, os pensamentos cessarão.
É possível que as impressões residuais dos fenômenos, que existem desde
tempos imemoriais, sejam dissolvidas, e que assim se permaneça enquanto
puro Ser?
Sem se entregar a dúvida, se isso é possível ou não, você deveria
persistentemente se voltar para a meditação do Ser, por mais pecadora
que uma pessoa possa ser, se ela parar de se lamentar “ai de mim que sou
um pecador! Como posso eu alcançar a libertação?” e, abandonando até
mesmo o pensamento de que é pecadora, dedicar-se zelosamente a
autoinquirição, ela com certeza realizará o Ser (Atman).
Não existem duas mentes, uma boa e uma má- a mente é apenas uma. As
impressões residuais é que são de dois tipos – auspiciosas e não
auspiciosas. Quando a mente está sob a influencia de impressões
auspiciosas, é chamada de boa; quando sob influencia de impressões não
auspiciosas, é vista como má.
À mente não deveria ser permitido vaguear rumo a atividades
mundanasnem aquilo que diz respeito a outrem, por pior que os outros
sejam, não se deve guardar nenhum ódio em relação a eles. Tanto o desejo
quanto a aversão devem ser evitados. Tudo que se dá aos outros dá-se a
si mesmo. Se esta verdade for compreendida, quem não dará aos outros?
Quando o eu surge tudo surge; quando o eu se aquieta, tudo se aquieta.
Quanto mais humildes formos, maior bem resultará. Se a mente for
silenciada, pode-se viver em qualquer lugar.
A investigação deve ser praticada por quanto tempo?
Enquanto houver impressões dos fenômenos na mente, a investigação
“quem sou eu?” será necessária. Os pensamentos devem ser destruídos no
mesmo momento e local em que surgem, através da investigação. Basta que
se faça o uso de contemplação do Ser incessantemente, até que o Ser seja
alcançado. Enquanto houver inimigos dentro da fortaleza os ataques
continuarão; se os mesmos são eliminados no momento em que surgem, a
fortaleza será conquistada.
Qual a natureza do Eu Real?
Na verdade existe apenas o Eu Real. O mundo, a alma individual e Deus
são aparências n’Ele, como a prata que aparece na madrepérola. Esse
três aparecem a desaparecem ao mesmo tempo.
O Eu Real é aquilo no qual não existe pensamento de “eu” em absoluto.
Aquilo chama-se silêncio (mouna). O Eu Real mesmo e o mundo; o Eu Real
mesmo é o ego; o Eu real mesmo é Deus – tudo é Shiva, o Ser.
Não é tudo obra de Deus?
Sem desejo, intenção ou esforço, o sol nasce; e em sua mera presença, a
pedra do sol emite fogo, a flor do lótus floresce, a agua evapora e as
pessoas vivem suas vidas e descansam. Assim como a presença do imã a
agulha se move, as almas (jivas) submetidas a atividade tríplice da
criação, preservação e destruição – que ocorre pela mera presença do
Poder Maior – agem de acordo com seus Karmas, retornando ao descanso
depois de suas atividades. Mas Deus em si mesmo não possui nenhuma
intenção; nenhuma ação o toca. É como as atividades do mundo não
afetando o sol, ou como os méritos e deméritos dos outros quatro
elementos não afetando o espaço que a tudo permeia.
Qual o maior dentre os devotos?
Aquele que se entrega ao Ser, que é Deus, é o mais excelente dos
devotos. Entregar-se a Deus significa permanecer constantemente no Ser
sem permitir que qualquer pensamento surja que não o pensamento do Ser.
Deus suporta quaisquer fardos que lhes são deixados. Já que o Poder
Supremo de Deus que faz todas as coisas se moverem, porque deveríamos
nós, em vez de submetermos a Ele, nos preocuparmos constantemente com
pensamentos a respeito do que deve ser feito e como, e do que não deve
ser feito? Sabemos que o trem carrega todas as cargas; então depois de
adentrá-lo, porque deveríamos – para o nosso próprio desconforto –
carregar a bagagem na nossa cabeça, ao invés de coloca-la no bagageiro e
viajar confortavelmente?
O que é desapego?
Destruir completamente os pensamentos no momento e local em que
surgirem, sem deixar qualquer resíduo – isto é desapego. Da mesma forma
que aquele que busca uma pérola no fundo do mar amarra uma pedra ao
redor de sua cintura, mergulha até o fundo e toma a pérola, igualmente
cada um de nós deveríamos dotado de desapego, mergulhar dentro de si e
obter a pérola do Ser.
Não é possível a Deus e ao Guru efetivar a liberação de uma alma?
Deus e o Guru apenas mostrarão o caminho rumo a liberação; eles não vão por si mesmos levar a alma ao estado de liberação.
Na verdade, Deus e Guru não são diferentes. Assim como a presa que
caiu na boca do tigre não tem escapatória, também aqueles que caem no
campo do olhar do gracioso Guru serão salvos e não se perderão; mesmo
assim, cada um deve por seus próprios esforços seguir no caminho
mostrado por Deus ou pelo Guru, e obter a liberação. Você só pode
conhecer a si mesmo pelo seu próprio olho de sabedoria, não pelo olho de
mais ninguém. Por acaso Rama precisa de ajuda de um espelho para saber
que é Rama?
É necessário para aquele que deseja ardentemente a liberação investigar a natureza das categorias (tattvas)?
Da mesma forma como alguém vai jogar fora o lixo não necessita
analisá-lo para ver o que é, também alguém que deseje conhecer o Eu Real
não necessita analisar o número de categorias ou investigar suas
características que ocultam o Eu Real. O mundo deve ser considerado um
sonho.
Não há diferença entre o estado de vigília e o de sonho?
O estado de vigília é longo e o de sonho é curto – fora isso, não há
diferença. Assim como os acontecimentos do estado de vigília parecem
reais enquanto está acordado, o que acontece no sonho também parece real
enquanto se está sonhando. No sonho a mente toma outro corpo. Tanto no
estado de vigília quanto no de sono, pensamentos, nomes e formas ocorrem
simultaneamente.
Para aqueles que desejam a liberação, é útil ler livros?
Todos os textos asseveram que para se obter a iluminação a mente deve
ser aquietada; portanto, seu ensinamento conclusivo é que a mente deve
ser silenciada. Uma vez que se tenha entendido isso, a leitura não é
necessária. A fim de silenciar a mente você deve apenas investigar
dentro de si mesmo o que é o seu Eu; como tal busca poderia ser feita
nos livros? Você deve ver o seu Eu com seu próprio olho de sabedoria. O
Eu Real está dentro dos cinco invólucros, mas os livros estão fora
deles. Uma vez que o Eu Real deve ser investigado pela rejeição dos
cinco invólucros, é fútil buscar por ele nos livros. Chegará um momento
em que você deverá esquecer tudo o que aprendeu.
O que é felicidade?
Felicidade é a própria natureza do Ser; a felicidade e o Ser não são
diferentes. Não há felicidade em nenhum objeto do mundo. Nós imaginamos,
devido a nossa ignorância, que obtemos felicidade dos objetos. Quando a
mente se exterioriza, experimenta sofrimento. Na verdade quando os
desejos da mente são satisfeitos, ela retorna a sua morada e desfruta da
felicidade que é o Ser. Similarmente, nos estados de sono, samadhi e
desmaio, e quando o objeto desejado é obtido – ou o indesejável é
removido – a mente de internaliza a desfruta a pura felicidade do Ser.
Assim, a mente se move inquieta, alternadamente se afastando do Ser e
retornando a ele.
Sob uma árvore a sombra é agradável; lá fora o calor é escaldante.
Uma pessoa que caminha sob o sol sente-se aliviada quando chega na
sombra. Alguém que vive indo do sol para sombra e da sombra de volta
para o sol, é um tolo – o sábio permanece sempre na sombra. Igualmente, a
mente daquele que conhece a verdade não deixa Brahman. Ao contrário a
mente do ignorante perambula pelo mundo sentindo-se miserável, e de vez
em quando retorna a Brahman para experimentar a felicidade. Na verdade o
que é chamado “mundo” é apenas um pensamento. Quando o mundo
desaparece, isto é, quando não há pensamento, a mente experimenta a
felicidade; quando o mundo aparece, ela experimenta o sofrimento.
O que é a visão da Sabedoria?
Permanecer em silêncio é chamado visão da Sabedoria. Permanecer em
silencio é dissolver a mente no Ser. Telepatia, conhecer os
acontecimentos , presente e futuro, e clarividência não constituem a
visão da Sabedoria.
Qual a relação entre sabedoria e o estar sem desejos?
Estar sem desejos é sabedoria. Os dois não são diferentes. Estar sem
desejos é evitar que a mente se volte para qualquer objeto. Sabedoria
não é o surgimento de fenômenos. Em outras palavras, não buscar aquilo
que não é o Ser é desapego ou “estar sem desejos”; não deixar o Ser é
sabedoria.
Qual a diferença entre inquirição e a meditação?
A inquirição consiste em reter a mente no Eu Real. A meditação consiste
em pensar que eu sou o Brahman, Existência- Consciência – Beatitude.
O que é liberação?
Investigar a natureza do “eu” que está aprisionado, e assim realizar a sua verdadeira essência, é liberação.
gratidão
ResponderExcluir