Deus é unicidade ~ Conversas com Ramesh Balsekar
Pergunta: Parece esperar-se, entre os espiritualmente
sofisticados, dizer que Deus é um conceito. Estou surpreso de ver quanta gente
discute este assunto. Então, pergunto: o que é Deus?
Ramesh: Que pergunta! E você perguntando isto? Como poderia
ser possível tal coisa como Deus? Deus não é um objeto.
P.: Deus não é um objeto, então é o quê?
R.: Deus é subjetividade - o único sujeito de todos os
objetos -, sujeito do sujeito-objeto que pensamos ser, erroneamente é claro.
P.: O que o senhor quer dizer?
R: O que você é fenomenalmente? Nada, exceto uma aparência
na consciência. Você pensa que é o sujeito de todos os demais objetos. Mas, de
fato, você e eu e todos os objetos sencientes subjetivamente, numenalmente,
apenas poderíamos ser tudo que o Númeno - ou o Supremo - é.
P.: O que exatamente o senhor quer dizer?
R.: Quero dizer que o Supremo - e cada um de nós (não como
objetos fenomênicos) - é a presença do que-nós-somos, que é a ausência do
que-nós-pensamos-que-somos.
P.: E o que é isto?
R.: Nossa total ausência objetiva fenomenal, que pode ser a
subjetiva numenal PRESENÇA DE DEUS.
P.: O senhor seguramente não quer dizer que os fenômenos
objetivos desaparecem?
R.: Claro que não. "Nossa total ausência objetiva"
refere-se ao desaparecimento não de um fenômeno objetivo como tal, mas da
identificação com um fenômeno objetivo que nós pensamos que somos. Em outras
palavras, nós não somos "essa" coisa (que pensamos que somos), mas
Aquilo que não pode ser nenhuma "coisa".
P.: Por que o senhor diz que Deus não é um objeto?
R.: Se Deus fosse um objeto, ele seria um dos milhares de
deuses objetivos, e não o Supremo como você presumidamente indica.
P.: Não estou pensando nos ídolos, que são deuses objetivos.
R: No momento em que Deus é conceitualizado, converte-se em
um deus, porque qualquer conceito de Deus automaticamente torna-se um ídolo. E,
por certo, uma imagem de uma deidade ou santo, se em um templo ou em uma igreja
ou em qualquer outro lugar de adoração, é um ídolo, se considerado como um
símbolo ou outra coisa qualquer. E, todas as orações e oferecimentos a um
objeto, símbolo ou outro aspecto, material ou conceitual, são orações e
oferecimentos para um ídolo.
P.: Isto é blasfêmia!
R.: Eu apenas disse o que é obvio. Blasfêmia e ofensa podem
ser admissíveis apenas na mente em que tal noção surgiu. Então, o que é
blasfêmia? Vou lhe dizer. Blasfêmia é toda e qualquer ação feita de um modo
diferente do que na presença de Deus. Isto está claramente estabelecido no
Bhagavad-Gita. E vamos deixar claro, na presença de Deus, eu não quero dizer um
objeto, um ídolo. Independente da presença ou ausência de um objeto, um ídolo,
o que a "presença de Deus" quer dizer é a ausência da presença do
ser. Isto significa a imanente divindade.
P.: O que o senhor quer dizer pela ausência da presença do
ser?
R: Um ser que ora humildemente para Deus, e um ser, sem
qualquer identificação pessoal, que É Deus, são essencialmente o mesmo. Vamos
deixar claramente entendido que "humildade" não significa "sem
orgulho", porque então a humildade seria tão somente o oposto do orgulho.
"Humildade" metafisicamente implica a ausência de qualquer ente
sujeito à humildade ou ao orgulho.
P.: Tudo isto é extremamente esclarecedor, mas, o senhor
sabe, percebo que o senhor demoliu algo consagrado pelo tempo.
R.: Consagrado pelo tempo o quê? Slogans, clichés,
soporíficos?
P.: Talvez. Mas eles deram e dão algum sentido de segurança.
R.: Você sabe o que Nisargadatta Maharaj disse sobre esses
símbolos de segurança? Acho que ele nunca pediu para alguém abandoná-Ios mesmo
que esse sentido de segurança fosse falso. Ele apenas sugeria que a pessoa
podia prosseguir como antes, até que eles desaparecessem por si mesmos. O que
ele queria transmitir era: "Vamos ao menos compreender. Quando o sentido
de culpa que pode surgir pelo deliberado desaparecimento deles perder a força
de seus condicionamentos, estes símbolos de falsa segurança perdem
importância".
P.: Claro que poderia haver outras considerações para o
prosseguimento de tais práticas.
R.: Certamente. O próprio Maharaj sinceramente realizava
puja (oblações) três vezes ao dia porque seu Guru pediu-lhe. Ele dizia que isto
não fazia mal algum e poderia trazer muitos benefícios àqueles não-dotados de
inteligência suficiente para seguir no caminho da autoinquirição.
P.: Parece-me que nesta discussão sobre Deus ignoramos
certos conceitos - sim, consagrados pelo tempo, como por exemplo, o
"amor". Não é dito 'que Deus é amor?
R: Você disse que amor é um conceito e que Deus é amor. Por
consequência, Deus é um conceito. E, é claro, "amor" é apenas o
oposto de "ódio". Não estou desatento quanto ao uso da
palavra no sentido convencional, mas uma palavra imprecisa
pode causar confusão e mal-entendidos.
P.: Qual a palavra que o senhor prefere?
R: Na verdade, "AMOR", se usado não como uma
expressão de separação baseado na emoção, mas para indicar compaixão, Karuna, é
o que mantém o mundo (junto) em "at-one-ment" (unicidade). Preferência,
como diferença, é puramente um fenômeno na dualidade. Entretanto, eu usaria a
palavra "unicidade", embora o uso de qualquer palavra, de certa forma
parece aviltante, porque nenhuma palavra poderia descrever o indescritível e, é
claro, uma palavra em si mesma é uma criação temporal.
P.: Então, "unicidade" é a palavra. Deus é
unicidade. Ela transmite um sentido de totalidade.
R.: Também não vamos esquecer que "amor" é uma
expressão de separatividade, porque se espera que você ame os
"outros". Na unicidade não amamos os outros - nós somos os outros; e
nossa relação fenomenal com "eles" é não-objetiva, direta, espontânea
e imediata.
P.: O que o senhor me diz sobre a "oração"?
R.: Claro, a oração. Você rezaria para - mais chuva e melhor
colheita, ou talvez o aumento da produção industrial? Ou para um substancial
aumento das exportações?
P.: Agora, não sejamos irreverentes.
R: Ah, asseguro-lhe que não sou. O que eu quis dizer era que
a palavra oração geralmente é entendida como uma solicitação, o que pode ser
percebido pelo fato de a palavra "oração" ser geralmente seguida de
"para". Oração verdadeiramente significa comunhão. De fato, oração é
comunhão, do mesmo modo que meditação é quando não existe o meditador e nada
sobre o que se meditar.
P.: O que o senhor está tentando dizer?
R.: Nada, de modo algum - exceto talvez que não possa haver
de fato nenhum significado em se rezar para (e adorar) um conceito de uma
deidade paternal e misericordiosa como "Deus", ou em amaldiçoar e
abominar um conceito de um inimigo impiedoso como "o Demônio", pela
simples razão que eles nada são além do que nós Somos.
P.: Então, o que o senhor diria para eu fazer?
R.: Eu diria para você não fazer nada, ou não faça nada.
Este é todo o ponto. Como Nisargadatta Maharaj disse, a compreensão é tudo.
APENAS SEJA. Isto seria "experienciar" o Ensinamento.
Artigo encontrado na Revista "Jnana Prabha"
publicação do Jnana Mandiram (Templo da Sabedoria) de Brasilia: www.jnanamandiram.com.br
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