Só a Mente Lúcida vê o Real - texto por Jiddu Krishnamurti
Numa reunião desta natureza, o ato de comunicar, o ato de escutar e o ato de compreender são de grande importância. Porque esse movimento de comunicar, escutar e compreender, não só faz parte de nossa vida diária, mas é, ao mesmo tempo, um movimento constante, contínuo, infinito.
E, principalmente quando se trata de problemas que exigem muita compreensão, não apenas no nível verbal, faz-se também necessária aquela comunhão que se estabelece quando — não sentimental ou emocionalmente — ultrapassamos as palavras e compreendemos sua verdadeira natureza e significado. Poderão, assim, estas reuniões ter especial significação e valor.
O que aqui pretendemos fazer, todos juntos, é participar — participar ativamente. Isto é, da parte do orador haverá não só o ato de comunicar, mas também o de participar; pois não iremos, nestas palestras, adquirir meros conhecimentos, porém, antes, passar por uma série de experiências, nas quais tanto o orador como os ouvintes deverão tomar parte ativa. A maioria de nós, infelizmente, não sabe participar ativamente. Estamos acostumados a escutar, concordando ou discordando verbalmente, ou simplesmente rejeitando ideias; dessa maneira, é difícil haver participação. Só há participação, quando o orador e o ouvinte estão tomando parte ativa no que se está dizendo. Do contrário, estas palestras serão como tantas outras conferências e discursos, que, infortunadamente, tanto gostamos de ouvir; e serão puro desperdício de tempo, se não houver, de vossa parte e da parte do orador, uma participação ativa.
Participar é escutar sem saltar nenhuma conclusão. Em primeiro lugar, vem o ato de escutar. Esse ato de escutar depende do ouvinte, isto é, de vós que estais escutando, ouvindo. Se aceitais o que ouvis porque coincide com o que credes, ou o rejeitais porque não se coaduna com o que credes, não há participação. E parece-me importante que, não só durante esta hora, mas durante toda a nossa vida, tenhamos essa capacidade, essa arte de escutar e participar — de tudo escutar, com todo o nosso ser.
A vida é um constante movimento de relações. E o indivíduo que está vigilante, atento a tudo o que se passa no mundo, percebe que esse movimento que é a vida deve ser compreendido, não num determinado nível — científico, biológico ou tradicional, porém no nível total. Do contrário, não pode haver participação.
A palavra “participar” ou “compartilhar” tem extraordinário significado. Podemos partilhar nosso dinheiro, nossas roupas. Se temos um pouco de comida, dela podemos dar, dividi-la com outrem; mas, afora esses casos, raramente partilhamos alguma coisa com outrem. Compartilhar implica, não só a comunicação verbal — ou seja a compreensão do significado e natureza das palavras — mas também comunhão. E comungar é uma das coisas mais difíceis da vida. Talvez tenhamos uma certa capacidade de comunicar a outrem algo que temos, ou que desejamos ou esperamos ter; mas comungar com outrem é dificílimo.
Porque o comungar requer que tanto a pessoa que fala como a que escuta possuam intensidade, paixão, e requer também, no mesmo nível e ao mesmo tempo, um estado mental não propenso a aceitar ou rejeitar, porém interessado em escutar ativamente. Só então há possibilidade de comunhão, de estarmos em comunhão com alguma coisa. É relativamente fácil estar em comunhão com a natureza. E pode-se estar em comunhão com uma dada coisa, quando não existe nenhuma barreira verbal ou intelectual entre vós, o observador, e a coisa observada. Mas a comunhão é um estado, talvez de afeição, um estado de intensidade, em que ambas as partes se encontram no mesmo nível e a um só tempo, com a mesma intensidade. De outro modo, não há possibilidade de comunicação — principalmente de
comunhão, que é o verdadeiro ato de compartilhar.
E esse ato de comunhão é com efeito muito importante, porquanto é essa comunhão, esse estado de intensidade, que pode transformar radicalmente a mentalidade de um indivíduo.
O amor — se posso empregar este termo sem lhe dar, por ora, determinado significado — só é possível no ato de compartilhar. E este, por sua vez, só é possível quando, no- mesmo nível e ao mesmo tempo, há aquela peculiar intensidade que dispensa a comunicação verbal. De contrário, não há amor, porém, tão-só emocionalismo e sentimentalismo —, coisas sem nenhum valor.
Nossa vida de cada dia — não o momento supremo do presente segundo — consiste nesse ato de comunicar, escutar e compreender. E, para a maioria de nós, escutar é uma das coisas mais difíceis; é uma grande arte, bem mais importante do que outra qualquer. Raramente escutamos, porque em geral vivemos muito ocupados com os nossos problemas, nossas próprias ideias e opiniões — esse incessante “tagarelar” de nossas deficiências, fantasias, mitos e ambições. Raramente escutamos, não só o que outros dizem, mas também os pássaros; raramente vemos o pôr do sol, os reflexos na água. E quando sabemos escutar — e isso requer extraordinária energia — há, nesse ato, uma completa comunhão; as palavras, seu significado e construção, têm, então, pouquíssima importância. Ides, pois, juntamente com o orador, participar plenamente na verdade ou na falsidade do que se vai dizer. O ato de escutar é para a maioria de nós sobremodo difícil; mas é só escutando que se pode aprender.
Aprender não é acumular conhecimentos. Qualquer cérebro eletrônico é capaz de acumular conhecimentos. O conhecimento, por conseguinte, não é de grande relevância; tem uma certa utilidade, mas não aquela desmedida importância que os entes humanos lhe atribuem. Mas o ato de aprender requer uma mente muito ágil. O ato de aprender dispensa a interpretação. Quando escutais aquela ave, logo dizeis: “É um corvo”, ou “Seria bom que ele se calasse, para eu poder prestar atenção ao que se está dizendo!” Dessa maneira, está terminado o ato de escutar. Mas, sois capaz de ouvir o pássaro e ao mesmo tempo o orador, quando não há interpretação, quando não há tradução do que se está dizendo. Estais então escutando — mas nao aceitando, pois isso é terrível.
E não podeis escutar, se traduzis q que ouvis por meio de vossos conhecimentos. Sabeis certas coisas por experiência própria. Vossos conhecimentos procedem dos livros, da tradição, dos vários embates da vida; esses conhecimentos se incorporaram à vossa consciência, ao vosso ser. E, assim, quando ouvis ou escutais alguma coisa, traduzis o que está dizendo mediante o que já sabeis. Por conseguinte, não estais escutando e, portanto, não há o ato de aprender.
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