"Brahman - a existência, o conhecimento e a aventurança absolutos - é real. O universo não é real.
Brahman e Atman (o eu profundo do homem) são unos.
Nestas palavras Shankara sintetiza sua filosofia. Quais as implicações dessa assertiva? Que entende ele por "real" e por irreal"?
Shankara só aceita como "real" aquilo que não muda nem cessa de existir. Ao formular essa definição, ele segue os ensinamentos dos Upanishads e de Gaudapada, seu predecessor. Nenhum objeto, nenhum tipo de conhecimento pode ser absolutamente real se sua existência for meramente temporária.
A realidade absoluta implica a existência permanente. Se considerarmos nossas múltiplas experiências durante os estados de vigília e de sono, verificaremos que as experiências durante o sono são negadas pelas experiências no estado de vigília e vice-versa - e que ambos os tipos de experiência cessam durante o sono sem sonhos.
Noutras palavras, qualquer objeto de conhecimento, externo ou interno - pois um pensamento
ou idéia é um objeto de conhecimento tanto quanto o mundo exterior -, está sujeito a modificação e,
portanto, segundo a definição de Shankara, é "irreal".
Qual é, então, a Realidade subjacente às nossas experiências? Só existe uma coisa que nunca nos
abandona - a consciência profunda. Este é o único aspecto constante de toda experiência. E essa
consciência é o Eu real, o Eu absoluto. Mesmo no sono sem sonhos o Eu real está presente como uma
testemunha, ao passo que a consciência do ego a que chamamos "nós mesmos", nossa individualidade, ficou temporariamente submersa na ignorância (avidya) e desapareceu.
A filosofia Vedanta ocupa uma posição central entre o realismo e o idealismo. O realismo e o idealismo ocidentais assentam ambos na distinção entre mente e matéria; a filosofia indiana colocou a mente e a matéria na mesma categoria - ambas são objetos do conhecimento. Não se deve, porém, considerar Shankara como um precursor de Berkeley: ele não diz que o mundo é irreal simplesmente porque sua existência depende da nossa percepção. O mundo, de acordo com Shankara, "é e não é . Sua realidade fundamental só pode ser compreendida em relação à experiência mística final, a experiência da alma iluminada. Quando a alma iluminada mergulha na consciência transcendental, ela percebe o Eu (o Atman) como pura beatitude e pura inteligência, o Um sem um segundo . Nesse estado de consciência, toda percepção da multiplicidade chega ao fim, toda distinção entre meu e seu deixa de existir; o mundo como usualmente o conhecemos desaparece. Então o Eu resplandece como o único, a Verdade, o Brahman, a base desta aparência de mundo.
A aparência de mundo tal como a experimentamos no estado de vigília pode ser comparada, diz Shankara, a uma suposta cobra que, examinada mais de perto, revela ser um simples rolo de corda. Quando a verdade é conhecida, deixamos de ser iludidos pela aparência - a aparência de cobra desaparece na realidade da corda, o mundo desaparece em Brahman.
Outros sistema de filosofia hindu - Shankya, Yoga ou Nyaya - afirmam que o mundo fenomenal possui uma realidade objetiva, muito embora esta possa não ser visível aos olhos de uma alma iluminada. O Advaita Vedanta difere desses sistemas neste ponto vital: ele nega a realidade última do mundo do pensamento e da matéria. Mente e matéria, objetos finitos e suas relações, são uma compreensão errônea de Brahman, e nada mais - eis o que Shankara ensina.
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